Considero, a culpa no
existencialismo não como um sofrimento psicológico que o ser humano traz
subjetivamente com sentimento dentro de si, mas sim como um tema estudado pelos
existencialistas através da ontologia com seus princípios, sua existência e essência,
e é ela oposta a outra significação de culpa que no caso é objetiva e diferente
do subjetivo, significado este, que trata de causa e efeito, o dolo, produzindo
danos aos direitos dos outros.
Na culpa subjetiva, o sentimento
apresenta-se quando a consciência da pessoa tem avaliação dos seus atos.
Como este ensaio não é formal,
utilizei mais o cunho literário, óbvio, tentando explicar a teoria da
culpa. Para termos uma idéia de como um ser humano se comporta quando percebe
que tem culpa, vamos mostrar o relato da estória de Bruce Lee, 30 anos,
bancário, solteiro. Este nome foi escolhido por seu pai, que adorava os filmes
de karatê, mas que ele não gostava e muito menos dos filmes.
Esta narrativa, Bruce Lee começou a
explorar numa Universidade, convidado por um aluno do curso de psicologia, para
ilustrar um trabalho na disciplina Teoria Existencial-Humanista, onde ele,
o próprio Bruce Lee, além de narrar o acontecimento que mudou sua vida, também
fez reflexões sobre o sentimento de culpa na base da teoria existencialista.
Tudo começou numa quinta-feira, dia 12 de
agosto, comemoração dos seus 25 anos. Ele aproveitou e ficou noivo de uma linda
garota de 20 anos. A festa foi completa, com jantar e troca de alianças.
No dia seguinte, noite de sexta-feira(13),
ele contava os minutos para sair com sua noiva, iria pegá-la às 22 horas. Foi
quando seu celular tocou, era seu colega de trabalho, avisando que sua noiva
estava numa boate, localizada numa praia distante 90 quilômetros de sua cidade.
Ela estava entre beijos e abraços com um cara. Ele não acreditou, rapidamente
ligou para o celular dela, mas deu fora de área ou desligado. Pegou seu carro e
saiu em velocidade até a casa da moça, mas encontrou fechada, tudo apagado. Ele
ficou desesperado e sem pensar duas vezes, foi para a praia onde seu colega
disse que ela estava lhe traindo.
Quando chegou na boate, entrou se
escondendo e viu sua noiva com uma saia bem curta e o cara colocando a mão
entre suas pernas e puxando a calcinha dela, além de beijar a boca da moça
ardentemente. Ele ficou pasmo, estático, mas se dirigiu até o bar e bebeu
todas, bebia uísque duplo. Quando o barman percebeu que ele estava embriagado
não lhe serviu mais. Certamente o Bruce Lee, pagou a conta e saiu no seu carro
em velocidade, voltando para sua cidade.
Na BR, ele dirigia descontrolado, olhava
para a aliança e chorava copiosamente. Em seguida, soltou as mãos da direção,
retirou a aliança e arremessou pela janela. Foi quando o carro saiu da pista de
rolamento e capotou várias vezes. Ele não estava usando o cinto de segurança.
Dias após, ele acordou no hospital todo
enfaixado, tentou mover as pernas, fez força, juntamente com caretas, mas não
conseguiu. O médico entrou no leito e informou que ele tinha ficado
paraplégico, por causa de uma lesão na coluna espinhal, mas que só tinha
comprometido as pernas e que ele teria uma vida normal, principalmente com
relação a sexo. A notícia transformou Bruce Lee num moribundo culpado, o
sentimento de culpa tinha se instalado dentro dele.
Em casa sua rotina era de tristeza, pois
passou quase um ano de licença médica e a lembrança daquela cena da ex-noiva
foi transformada em culpa, ele achava a ex-noiva culpada, não a que ele
carregava, mas a culpa do dolo, a culpa objetiva.
O tempo foi passando e ele virou cantor de
banheiro, pois pensava na culpa subjetiva e na objetiva da ex-noiva. Uma de
suas músicas preferidas era: “É preciso
saber viver”, de Roberto e Erasmo Carlos. Em sua cadeira de rodas, ele
ficava embaixo do chuveiro e começava a cantar: - Quem espera que a vida, seja
feita de ilusão, pode até ficar maluco ou morrer na solidão, é preciso ter
cuidado pra mais tarde não sofrer...
Ele ficava excitado pensando na cena da traição da ex-noiva e começava a se
masturbar e cantando o refrão: - É preciso saber viver... é preciso saber
viver... Quando
gozava, relaxava e continuava cantando: -
Toda
pedra no caminho, você deve retirar, uma flor que tem espinho, você pode se
arranhar, se o bem o mal existem, você pode escolher... é preciso saber viver.
Seu sentimento de culpa
aumentava a cada dia, mas ele ficou um pouco aliviado quando voltou a
trabalhar, seus colegas fizeram uma
grande festa na sua volta e aquele colega que avisou sobre a traição de sua
ex-noiva tinha pedido transferência para outro estado, pois se sentiu culpado
com todas as culpas, objetiva e principalmente subjetiva. Bruce Lee quando soube, ficou ainda mais
triste, pois não julgava seu colega culpado e depois entendeu que ele poderia
está com a mesma culpa que carregava.
A rotina de Bruce Lee não mudava, do
trabalho para casa, de casa para o trabalho. Mas ele além de continuar cantando
no banheiro, passou a assistir os filmes de Bruce Lee que tanto detestava, pois quando o ator usava as
pernas para bater no inimigo, o Bruce Lee cadeirante, se via usando suas pernas
para bater no seu inimigo que era a culpa. O ator batia no vilão do filme e ele
pensava que batia na culpa. Bruce Lee não recebia visitas, não usava mais
celular, nem computador para ver redes sociais.
Certo dia seu vizinho, insistiu tanto que
ele lhe recebesse e Bruce Lee atendeu ao pedido daquele senhor evangélico. O
senhor disse para Bruce Lee que tinha um lugar, onde ele ficaria curado,
andaria novamente e levou o rapaz para uma Igreja Evangélica.
O culto já estava preparado, o Pastor já
sabia de toda a vida de Bruce Lee. Quando
o rapaz estava no altar, o Pastor entrou dizendo: - Meus irmãos, meus irmãos
tenham fé em Deus, assim jamais se sentirão culpados. Bruce Lee enxugou as
lágrimas sentindo a dor da culpa mais forte. O Pastor foi até perto de Bruce
Lee e disse: - Levante irmão Bruce Lee, levante, tenha fé e ande. Naquele
momento o Pastor entregou uma bengala de madeira para o rapaz, este pegou o
objeto, se apoiou, levantou-se com muito esforço e caiu sobre a bengala.
No dia seguinte Bruce Lee acordou no
hospital com a cabeça enfaixada. A enfermeira entrou e disse: - Foi só um susto
rapaz, um corte superficial, o médico já lhe deu alta. Quando a enfermeira
saiu, entrou uma jovem, era uma estagiária de psicologia. Ela muito simpática
conversou com Bruce Lee e perguntou se ele não queria fazer terapia e lhe
explicou os benefícios. Bruce Lee disse: - Com esta dor que sinto no peito por
causa dessa maldita culpa, vou aceitar seu convite e perguntou: - É com você a
terapia? A moça sorriu e respondeu: - Não, ainda sou estagiária. Ela
lhe deu um cartão de uma psicóloga, sua ex-professora, que trabalhava com a
abordagem humanista.
Dias depois, Bruce Lee começou a sessão de
terapia, duas vezes na noite, na segunda-feira e sexta-feira. Na primeira sessão, ele foi logo
dizendo que seu grande problema era a culpa por estar naquela cadeira de rodas.
Ele relatou seu acidente e a possível causa. Aquele relato foi o primeiro e ele
já sentia com um pouco de alivio. A psicóloga escutou tudo sobre seu acidente e
o que provocou. Depois falou que a culpa não era um sintoma específico e que ele
tinha que esquecer o que aconteceu e procurasse acreditar em suas
possibilidades existenciais e não renunciasse sua liberdade. Ela continuou
conversando com Bruce Lee, que escutava atento. - Você precisa respeitar a
condição do ser humano, se tem defeitos ou não e também a sua condição de ser
um cadeirante. Você não precisa dimensionar sua responsabilidade social. Não
pense em culpa como patologia. Não transforme essa culpa em doença e sim em
existência. Tenha mais relacionamento com o próximo.
Morrendo de vergonha, Bruce Lee disse que
era ateu. Ela disse: - É normal, mas já que não acredita em Deus, porque não
acreditar no destino, na vida. Você é o que há de ser. Logo após as palavras da
psicóloga, tinha completado a hora e a
sessão daquela noite acabou.
Em casa, Bruce Lee colocou a cabeça no
travesseiro e começou a se questionar: -
Essa culpa que eu carrego dentro de mim não tem nada haver com o
acidente, é diferente da causa e efeito. Não é me responsabilizando por ter
bebido muito álcool e ter ficado numa cadeira de rodas é sim uma questão de
sentimento, é sim uma dívida comigo mesmo e com sociedade. Também não quero
culpar mais aquela vagabunda. Fui atrás dela, porque estava apaixonado. Isso
faz parte do destino, de nosso ser.
O tempo foi passando e Bruce Lee a cada
sessão de terapia se sentia muito melhor e já estava vendo a vida e outra
forma. Já a psicóloga percebeu que estava conseguindo mudar a vida de Bruce
Lee. Ele disse para a psicóloga que já
não cantava mais se masturbando no banheiro, pois aquela cena da traição da
ex-noiva era coisa do passado que tinha esquecido aquele cantor de banheiro e
agora era um poeta.
Certo dia, ele levou um buquê de flores,
juntamente com uma poesia para a
psicóloga. Mesmo constrangida ela aceitou que ele recitasse a poesia, mas como
profissional ela percebeu que se tratava de um desabafo interno do rapaz. Ele
entregou as flores e começou a recitar: - Gostosa será a coisa, se tão tiver um fim,
eternas como palavras, que dizem coisa de mim, coisa boa, coisa formosa, de
tanto oferecer prazer, se torna maravilhosa, penetrando no meu ser, ergue
inteiramente meu sim, deixando eu forte e potente e afastando a coisa ruim... Estava explícito que a coisa ruim que
ele queria dizer, era a culpa. Mas,
Bruce Lee continuou: - Enfim aparece a coisa humor com sorrisos e
alegria, idealizada pela outra coisa macia, que é chamada coisa amor.
Para Bruce Lee,
naquele momento a culpa que ele tanto trazia dentro de si, transformou-se em
amor. Ele percebeu que estava completamente apaixonado pela psicóloga, pois ele
sabia que além de bonita, era solteira e aparentemente não tinha namorado. Ela
percebeu a paixão do rapaz e as sessões de terapia foram ficando mais difíceis
para os dois lados, terapeuta e cliente. Pois ele não se concentrava mais, pois morria de tesão
por ela e a mesma ficando sem graça ao explicar suas teorias. Acredito que ela
já poderia estar se sentindo culpada. Será que ela estava com a culpa por ter
lhe ajudado e está passando por aquela situação?
Diante de tal fato, a psicóloga procurou um psicólogo desconhecido, pois a ética não
permitia colegas e começou a fazer terapia. Pelas evidências, ela poderia realmente
ter dentro de si, esse sentimento de culpa.
Certo dia numa sessão com Bruce Lee, ela
disse para ele que não podia mais atendê-lo, que iria indicar outro psicólogo,
porque ele não poderia deixar de fazer terapia, seu tratamento estava muito
além das expectativas. Ele triste, após escutar as palavras da psicóloga, enxugou
as lagrimas com as costas da mão direita e perguntou: - Porque? Porque? Porque eu tenho culpa de gostar de você, de
querer você, de estar com você. Ela respondeu: - Não é isso Bruce Lee, sou
humana, existo e estou me sentindo culpada por ter também me apaixonado por
você, estou até indo para sessão de terapia, precisava dizer o que sinto. Eles
se beijaram. Dias após, se casaram. Hoje
tem um filho e Bruce Lee procurou outro terapeuta, continuando com suas
terapias.
Mas acredito que eles não estão curados e
sim aliviados. Parto do princípio, sempre que possível terão essa culpa subjetiva
dentro de si mesmo. Pois, diante da premissa que a culpa é um sofrimento com
reprovação intrapessoal, creio que esse sentimento pode ser superado com o
processo psicanalítico, analisado por imagens negativas que temos em nossa
mente, no entanto, podem ser superadas sem frustações precipitadas dentro de
nossa consciência moral e social.